Bons Frutos: experiências e riquezas dos povos
Na Comunidade Água Boa, nome premonitório e localizada no estado de Minas Gerais, sudeste brasileiro, vive Maria Lúcia Agostinho. Conhecida como Dona Lúcia, ela é agricultora familiar, geraizeira, protetora ativa do Cerrado e se considera também uma “guardiã das nascentes”.
Dona Lúcia trabalha para fortalecer a cadeia dos frutos coletados e comercializados na localidade, como araticum, mangaba, coco licuri e, especialmente, pequi. Na região, o artesanato com argila também é forte e resultado do aprendizado com os antepassados. Potes, filtros, panelas e jarros juntam-se às cadeias de frutos e contribuem com a geração de renda e sustentabilidade local.
Frutas e plantas também se entrosam na fabricação desse artesanato. Mulheres fazem chapéus com a palha do licuri, balaio com cipó entre outros. Além disso, é forte o cultivo da agricultura familiar, especialmente da macaxeira, com a qual fazem goma e comercializam. O viveiro de mudas e as sementes crioulas também proporcionam produção e renda para a comunidade de Dona Lúcia.
O território de Dona Lúcia é constantemente ameaçado por grandes empreendimentos, principalmente dos monocultivos de eucalipto. “Muitos desses empresários começaram a desenvolver monoculturas em regiões próximas, o que desgastou o meio ambiente e ocasionou desequilíbrios. Regiões que tinham água suficiente, hoje não possuem mais”.
As ameaças ao território da comunidade Água Boa impactam tanto o meio ambiente como o modo de vida dos agricultores e das agricultoras. Dona Lúcia conta que sua comunidade fez mobilizações, manifestações e ela própria chegou a ficar, junto a outros companheiros e companheiras, 36 horas em greve de fome e sede para impedir a destruição das nascentes feita por um grande empreendimento, que também os impedia de ter acesso às águas.
Toda esta luta gerou frutos. Dona Lúcia e sua comunidade conquistaram o reconhecimento do território como uma Unidade de Conservação de uso sustentável, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras, nas áreas onde realizam a coleta de frutos e a criação de animais, o que lhes deu mais segurança. A guardiã das nascentes segue com sua comunidade na defesa de seu território, entendido como a defesa da própria vida.
Localizada no Centro-Oeste do Brasil e considerada a maior comunidade quilombola do país, o território Kalunga é habitado por pessoas que nutrem uma relação ancestral com a natureza, pautada no respeito e na sustentabilidade. As mulheres se destacam no manuseio da biodiversidade local, a transformando em produtos artesanais de características únicas.
São inúmeras as plantas nativas que alimentam as famílias Kalunga, mas algumas também geram renda para as mulheres, como os famosos pequi e buriti. Elas ainda utilizam as produções da agricultura familiar para incrementar a comercialização nas feiras locais. São óleos, sabonetes, farinhas, temperos, artesanato, entre outros produtos, feitos por essas mulheres que estão sempre com as portas e as sabedorias abertas para quem quiser se encantar com a força Kalunga.
Ao visitar a comunidade de Vão de Almas, uma das tantas comunidades que compõem o território Kalunga, é fácil entender porque este trabalho é feito de maneira sustentável. O modo de vida dos quilombolas garante a conservação de grandes áreas de vegetação nativa, onde eles coletam esses tantos frutos e cocos, em meio aos seus roçados de mandioca, milho, feijão, arroz, gergelim, e uma infinidade de alimentos.
A maneira de cultivar a terra, guardar as sementes e de aproveitar os frutos nativos fazem parte dos conhecimentos centenários dessa população. Se o território é a extensão do corpo das Kalunga, ele também é vida para essa comunidade.